quarta-feira, 19 de março de 2008

QUANDO A MÍDIA FAZ "CRÉU" PARA OS ROQUEIROS - R. BARROS


CULTURA & ARTE

AUTOR ROBERTO BARROS


Toto, Sonata Artica, Dream Theater, Ozzy Osbourne, Scorpions, Black Label Society, Korn, Rush, Deep Purple, Iron Maiden, Interpol... Não, você não está lendo a lista de um festival de rock, mas sim do calibre do Rock In Rio. Na primeira linha deste primeiro parágrafo, temos bandas que vieram anteriormente e outras que estarão conosco este ano, esvaziando os nossos bolsos já mazelados pela economia enganosa deste país. O ano de 2008 deve ser um dos tempos mais abençoados para quem gosta de rock. Dos gostos mais variados e nos mais diversos lugares — Scorpions, por exemplo, toca este ano no Amazonas —, temos um leque de opções que há muito não se via no Brasil. Se por um lado há uma felicidade compartilhada por toda a tribo pela consolidação do país como parte do trajeto das grandes bandas em suas turnês mundiais, fica também aquele pequeno gosto amargo na boca de quem ama o rock, acompanhado do seguinte questionamento: Por que não temos um grande festival de rock em terras tupiniquins?

Quando Roberto Medina desistiu de seu projeto vencedor e ambicioso — Rock In Rio —, aqui no Brasil, alegando falta de apoio da iniciativa privada e também falta de estrutura organizacional, nunca fui convencido totalmente disto. Tais fatos não podem ser ignorados, mas o peso da informação deveria ser recalculada. Ver o festival mudar de endereço (Lisboa) e não de nome (por conta da marca) deixa em nós, brasileiros, uma leve e estranha sensação de incompetência.

Se perdemos o segmento que mais patrocinou os eventos cultural-musicais no país nas décadas passadas (a indústria do tabaco), ganhamos as operadoras de telefone móvel, que se envolveram nos festivais de música alternativa. Embora a linha tênue que separa o mainstream do underground esteja se desfazendo na rapidez do novo milênio, ainda não consigo imaginar Cansei de Ser Sexy pisando no mesmo palco em que Deep Purple “quebraria” tudo. Tudo é possível, porém, uma vez que B-52's já fizera o mesmo com Nina Hagen, no primeiro Rock In Rio, que, por sua vez também teve Erasmo Carlos e Paralamas do Sucesso. A questão vai além de diferenças musicais e gostos de cada tribo.

Não existe uma proposta formalizada por qualquer empresário, especulador ou mesmo por bandas de rock no país que possa colocar em nosso calendário, cada dia mais híbrido, um grande festival de rock. Infelizmente, quando algo está pronto a se tornar tradição em nossas terras, dá lugar aos empecilhos bestas e burocráticos de um país como o Brasil. Não há como se contentar com shows gratuitos na praia de Copacabana, com um figurão, uma vez por ano. Shows estes que possuem até ampla cobertura da mídia porque alcançarão um público gigantesco, que consome jornal, vê TV e "lê" Internet.

Quando começamos a mexer na ferida, averiguamos que o "buraco é mais embaixo". A grande maioria das rádios de rock está sucateada e são pouquíssimas as opções de programas voltados para o rock na TV aberta. Quando não, são em horários para lá de alternativos, como a MTV fez um tempo atrás, colocando o único programa dedicado a clipes de rock às sextas-feiras, onze da noite, como se o público apenas quisesse ver clipes antigos ou somente saber de discos que serão lançados. O rock sempre foi tratado com uma cultura marginal, mas nunca, em terra brasilis, vimos um descaso tão grande com um público considerável em nosso país.

Enquanto isso, do outro lado do gosto musical, a "indústria do créu", cresce a olhos vistos. De forma organizada, possuem emissoras FM, horários em canais de TV, e a difusão da sua música nunca morre. Em outras palavras, volta e meia conseguem colocar diante da sociedade sua expressão e entendimento da vida. Seria muito simplismo partirmos da primícia de que o funk brasileiro é comercial e por isso muito consumido. Não. Isso, embora seja verdade, não explica por completo, ou melhor, justifica inteiramente, o porquê de não termos em nosso território um maior respeito, por assim dizer, a toda massa roqueira existente no país.

Exportamos ao mundo ícones bastante pontuais do rock mundial. Sepultura, Angra, Torture Squad, Shaaman não são exemplos do acaso. São mostras dignas que a arte produzida em nossas cercanias tem qualidade, pedigree e talento. E aí, verificamos mais um dos muitos problemas: a classe é desunida.

Será que não temos bandas suficientes em nosso país, que fossem capazes de organizar um grande evento sem que fosse necessário artistas de mesmo calibre (e às vezes até de qualidade duvidosa) lá de fora? Será que, economicamente, não seria interessante? De cabeça (e você, leitor, pode fazer o mesmo), penso num sem número de bandas nacionais, dos mais diversos estilos, que poderiam figurar no cast ad-infinitum deste imaginário festival. Que dobradinhas interessantes não poderiam sair deste encontro!

Como dito nos parágrafos anteriores, já temos pouquíssimo apoio da constituída mídia nacional, temos a concorrência desleal do material enlatado que está naturalmente incorporado à rotina do ouvinte brasileiro, por meio das rádios no Brasil, e ainda "contamos" com a falta de união da classe. Algumas das bandas citadas, mesmo com tanta tradição como o Angra e Sepultura, já não possuem a galhardia e a pompa de períodos passados. Como seria bom para estas e outras, que pudessem mostrar seus trabalhos a um público cada dia mais sedento por ver seus ídolos ao vivo... Sem contar que seria uma ótima oportunidade para o surgimento de novas bandas, uma vez que somos um celeiro de talentos musicais, e isto é incontestável.

Parodiando Martin Luther King, eu tenho um sonho: o dia em que não teremos que ser tão marginais a ponto de nossa literatura e discos transformarem-se em contrabando a custos altíssimos, em que as revistas que cobrem o cenário rock não sejam apenas ilustrativas, mas verdadeiras fontes de informação relevante sobre nossos ídolos. Dia em que talvez — e por que não? — tenhamos nosso próprio canal de TV e sejamos capazes de organizar nossos próprios festivais, "sucessos de bilheteria". Um dia em que, mesmo sem precisar provar nada para ninguém, façamos atos de solidariedade e humanismo, arrecadando alimento e todo o tipo de suprimentos para aqueles que precisam neste mundo mais de comida do que de música.

Todos nós temos direito de sonhar, mas acho que já passou da hora de dormir.

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FONTE> Whiplash